CRÔNICAS AGUDIZADAS (I)
Para Vera Ferraz
Estávamos afiados em lead e sua equação cartesiana: 3Q + PQ + CO.
Bastava só permutar, de cada vez, um dos elementos para encabeçar as
nove primeiras linhas da notícia e pronto.
Matemático, inferi: um
jogo aleatório, ora “Objetivando...”, ora “Hoje...”, ora... ora...
Parecia fácil até o início da disciplina Jornalismo Impresso, ministrada
por Vera Ferraz.
Na sala das
Remington, a nova professora chega, abre a bolsa, retira uma dessas
cadernetinhas com arame e escudo heráldico e lê a pauta: posse de
Roberto Magalhães, como Governador de Pernambuco, Assembleia
Legislativa, dia, hora etc. No finalzinho, um adendo: o PMDB comparecerá
à sessão.
Primeiro arranjo: “No próximo dia x, às xx horas, tomará posse na Assembleia Legislativa o ...”.
Segunda possibilidade: “O novo Governador de Pernambuco, Roberto Magalhães, tomará posse ....”.
Ou ainda mais solene: “Diante dos deputados estaduais, o Governador eleito, Roberto Magalhães, fará o juramento...”.
A professora Vera segura uma das folhas e põe a insignificância entre o
polegar e o indicador. Para que não caísse, nosso pensamento a
suspendia!
“Não é necessário ser jornalista para escrever isto!”,
disse a professora com firmeza, mas prometendo um acolhimento instável
em seguida.
...
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire
...
Iniciava-se um processo de desconstrução na aprendizagem. Lembro-me
sempre desses marcos que, para usar o fraseado kantiano, sempre me
espantaram.
Era também minha primeira lição de fenomenologia: a observação / informação não é neutra, envolve significado.
As opções de lead não haviam captado a informação com maior densidade
de significado: o PMDB estaria presente. Era a primeira vez que isso
acontecia. Antes estava ausente, pois se recusava a reconhecer a
legitimidade dos governadores “biônicos”. Agora, o processo de escolha
do Governador de Pernambuco, por meio de eleições diretas, teria o aval
do PMDB, participante da disputa.
De um detalhe, nascia uma narrativa inovadora, pois o resto (da pauta) já havia sido regurgitado nos meios de comunicação.
Não havia cenário nas aulas de Vera, o quadro-de-giz quase sempre
VAZIO! Ela, silêncios e informações na medida certa e na hora certa,
suficientes para “sacudir” as sinapses cerebrais, de forma sustentável.
Hoje não sou jornalista, mas o texto continua sendo meu principal
instrumento de trabalho: “o sanitarista é médico de papel”, dizia
Ricardo Bruno, pensador da Saúde Pública.
Em minhas aulas de
metodologia científica, evoco para os alunos da pós-graduação o que
aprendi sobre texto com Vera Ferraz, na primeira metade dos anos de
1980, no curso de jornalismo da UNICAP.
Vera abriu a janela
das possibilidades criativas no âmbito textual, mesmo quando “a única
coisa a fazer é tocar um tango argentino”, como sugeriu um médico a
Manuel Bandeira.
(Por)Djalma Agripino de Melo Filho
Ai, Djalma! As aulas de Vera Ferraz! Por pouco não abandonei o curso. Ainda bem. A desconstrução dos textos me deixava tonta, sem rumo. Falta de costume. Acho que aí comecei o meu aprendizado - e não apenas do lead. Buscar palavras, ter cuidado com elas, evitar repetí-las, escolher o melhor momento de usá-las e por aí vai. Continuo tentando aprender, apreender o como, mais do que o quê. E não sou jornalista, não cheguei a ser.
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