segunda-feira, 26 de novembro de 2012

LEAD - A informação não é neutra; envolve significado

Todo jornalista sabe que não é fácil fazer um lead (o primeiro parágrafo de uma notícia). Não basta incluir as informações básicas com (o) Quê, Quem, Quando, Onde, Como, Porquê, alternando-as mecanicamente só para não iniciar sempre com a mesma coisa. Tem que ter informação para que, além de atraente, seu lead esteja atual e contextualizado. Reproduzo aqui o artigo do jornalista (por formação, mas sem exercer a profissão) e médico sanitarista pernambucano Djalma Agripino Melo Filho, com quem tive a honra de dividir os bancos da turma de jornalismo de 1984 da Universidade Católica. Sua crônica em homenagem à jornalista e professora Vera Ferraz traduz a importância do conhecimento para a construção de um lead.



CRÔNICAS AGUDIZADAS (I)
Para Vera Ferraz

Estávamos afiados em lead e sua equação cartesiana: 3Q + PQ + CO. Bastava só permutar, de cada vez, um dos elementos para encabeçar as nove primeiras linhas da notícia e pronto.
Matemático, inferi: um jogo aleatório, ora “Objetivando...”, ora “Hoje...”, ora... ora... Parecia fácil até o início da disciplina Jornalismo Impresso, ministrada por Vera Ferraz.
Na sala das Remington, a nova professora chega, abre a bolsa, retira uma dessas cadernetinhas com arame e escudo heráldico e lê a pauta: posse de Roberto Magalhães, como Governador de Pernambuco, Assembleia Legislativa, dia, hora etc. No finalzinho, um adendo: o PMDB comparecerá à sessão.
Primeiro arranjo: “No próximo dia x, às xx horas, tomará posse na Assembleia Legislativa o ...”.
Segunda possibilidade: “O novo Governador de Pernambuco, Roberto Magalhães, tomará posse ....”.
Ou ainda mais solene: “Diante dos deputados estaduais, o Governador eleito, Roberto Magalhães, fará o juramento...”.
A professora Vera segura uma das folhas e põe a insignificância entre o polegar e o indicador. Para que não caísse, nosso pensamento a suspendia!
“Não é necessário ser jornalista para escrever isto!”, disse a professora com firmeza, mas prometendo um acolhimento instável em seguida.
...
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire

...

Iniciava-se um processo de desconstrução na aprendizagem. Lembro-me sempre desses marcos que, para usar o fraseado kantiano, sempre me espantaram.

Era também minha primeira lição de fenomenologia: a observação / informação não é neutra, envolve significado.

As opções de lead não haviam captado a informação com maior densidade de significado: o PMDB estaria presente. Era a primeira vez que isso acontecia. Antes estava ausente, pois se recusava a reconhecer a legitimidade dos governadores “biônicos”. Agora, o processo de escolha do Governador de Pernambuco, por meio de eleições diretas, teria o aval do PMDB, participante da disputa.

De um detalhe, nascia uma narrativa inovadora, pois o resto (da pauta) já havia sido regurgitado nos meios de comunicação.

Não havia cenário nas aulas de Vera, o quadro-de-giz quase sempre VAZIO! Ela, silêncios e informações na medida certa e na hora certa, suficientes para “sacudir” as sinapses cerebrais, de forma sustentável.

Hoje não sou jornalista, mas o texto continua sendo meu principal instrumento de trabalho: “o sanitarista é médico de papel”, dizia Ricardo Bruno, pensador da Saúde Pública.

Em minhas aulas de metodologia científica, evoco para os alunos da pós-graduação o que aprendi sobre texto com Vera Ferraz, na primeira metade dos anos de 1980, no curso de jornalismo da UNICAP.

Vera abriu a janela das possibilidades criativas no âmbito textual, mesmo quando “a única coisa a fazer é tocar um tango argentino”, como sugeriu um médico a Manuel Bandeira.

(Por)Djalma Agripino de Melo Filho
 

Um comentário:

  1. Ai, Djalma! As aulas de Vera Ferraz! Por pouco não abandonei o curso. Ainda bem. A desconstrução dos textos me deixava tonta, sem rumo. Falta de costume. Acho que aí comecei o meu aprendizado - e não apenas do lead. Buscar palavras, ter cuidado com elas, evitar repetí-las, escolher o melhor momento de usá-las e por aí vai. Continuo tentando aprender, apreender o como, mais do que o quê. E não sou jornalista, não cheguei a ser.

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